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As reflexões trazidas por esse momento de isolamento social e como isso impacta diretamente a vida das pessoas idosas
Estamos no mês de abril de 2020, em meio à pandemia do Coronavírus.
Me parece que este momento será um divisor de águas em nossas vidas. Muitos aspectos de nossas vidas parecem estar sendo revisitados, desde novas formas de socialização, à resiliência frente ao desconhecido. Eu iria mais longe: frente ao invisível. Afinal, o vírus da COVID-19 é invisível aos nossos olhos.
No início de 2020 fui convidada pelo projeto Rede Bem Estar para escrever sobre o respeito à autonomia das pessoas idosas. Naquela época, apenas um ou dois meses atrás, eram literalmente outros tempos, eu chamei o leitor para uma reflexão com a seguinte citação:
“A necessidade de autodeterminação, decidindo sobre as situações mais simples do cotidiano, implica um elemento importante e estruturante na qualidade de vida, pois o ser humano só é sujeito quando está livre, quando se autodetermina e toma consciência de sua liberdade. Para cuidar, é importante que o cuidador respeite o direito de decisão do sujeito cuidado. Ao considerar as múltiplas possibilidades do ser cuidado, a liberdade inerente a todo ser humano e suas singularidades, o cuidador estará respeitando a autonomia como direito social e legal”.
Passados menos de 60 dias, reflito diariamente sobre como estamos lidando com isso nos tempos em que as pessoas idosas necessariamente perderam praticamente toda a sua liberdade para o invisível. Diante de sua presença está imposta a reclusão, o isolamento, a incapacidade de socialização e a revisão total e absoluta de todos os seus hábitos de vida até que uma vacina seja descoberta e “ele” deixe de nos ameaçar.
Pessoas que, apesar de serem idosas ou portadores das doenças crônicas (diabetes, hipertensão, problemas cardíacos), eram absolutamente independentes e ativas até 30 dias atrás.
Em matéria publicada em 01/04/20, pelo jornal “O Estado de São Paulo”, com o título “Idosos dizem não ao confinamento”, o psicanalista Claudio Castelo Filho coloca que muitos desses idosos vivem em negação – “um enclausuramento forçado devido à doença que se espalha pode parecer intolerável e a frustração pela perda de contato humano pode tornar-se insuportável. Parte-se para negação da realidade e opta-se pelo risco”. Ele menciona um depoimento de uma senhora francesa sobre o que se passava em Paris, antes do decreto de confinamento radical, em que ela dizia que a depressão de ficar em casa era pior do que o vírus.
Na mesma matéria, a neuropsicóloga Gisele Calia refere-se às pessoas idosas dizendo que “nascidos muito antes da era tecnológica, seus cérebros foram ‘formatados’ pela e para a vida física, e não para a virtual. Acostumaram-se a se motivar por estímulos reais, produzidos pelo contato físico com a natureza, com os outros seres humanos, com o vento no rosto, com o aperto de mão, com o olho no olho e com a locomoção a pé, por exemplo. Obrigá-los a ficar em casa é tão difícil quanto pedir que um jovem passe um dia sem acessar qualquer mecanismo virtual”.
Neste momento inusitado, não existe a alternativa colocada pela senhora francesa. As autoridades governamentais impõem a todos o confinamento sendo que, em situações extremas, aqueles que desrespeitarem as regras podem ser multados ou até mesmo presos.
No momento mais crítico da pandemia, existe um grande consenso em torno da necessidade deste isolamento porque para a grande maioria das pessoas ele é temporário. E como será esse consenso, para as pessoas idosas que, identificadas como “grupo de risco”, terão restrições muito mais longas? Como saberemos qual é o limite da autonomia, quando o que está em jogo é o risco à vida? Como pensar em optar pela liberdade quando a morte se torna iminente?
Eis aqui mais um dos grandes e novos desafios impostos pela pandemia: como lidaremos com a autonomia das pessoas idosas de que cuidamos, que amamos? Fica para todos nós profissionais, filhos, cuidadores essa reflexão para enfrentarmos os desafios que estão por vir.
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